(por Regilan Deusamar)

…na solidão de um campo de algodão, se anda nu, à noite…

Bernard-Marie Koltès

Apresentação

A peça teatral Na Solidão dos Campos de Algodão tem seu enredo apresentado por dois personagens: Dealer e Cliente, cuja ação dramática desenvolve-se através do conflito de interesses dos mesmos. Dealer, segundo orientações prévias do autor, Bernard-Marie Koltès, é um comerciante de objetos ilícitos, o qual tenta vender algo ao cliente. Este, segundo o próprio discurso inicial, pretende, apenas, ir de um lado a outro daquele território, onde se encontra o dito comerciante, não tendo por objetivo nenhuma transação comercial de compra ou venda.

O projeto do figurino constitui-se a partir da temática humana subtraída do contexto verbal da peça: solidão, comércio, relações de poder, desejo, subjetividades.

Os termos que compõem a temática acima descrita foram assim ordenados após a realização da técnica de decupagem do texto, a qual extraiu frases de importância fundamental, segundo o olhar da figurinista, que no final, compuseram um quadro resumido, dos fundamentos temáticos, que orientaram a posterior pesquisa formal de indumentária.

Esta primeira pesquisa formal, em seu processo posterior, buscou conciliar-se às idéias originais do diretor, Alexandre Rudáh, cuja orientação corporal dada aos atores, constitui-se de movimentações intensas, que solicitam uma indumentária resistente e flexível.

Portanto, o presente projeto de figurino pretende aliar a temática humana e subjetiva, que trata dos conceitos já relatados, solidão, comércio, relações de poder, desejo, às necessidades físicas apresentadas pelos atores em cena, oriundas da intensa movimentação corporal, porém, estas necessidades não impedem que o figurino constitua-se de tecidos pesados, de cordões pendurados sobre o corpo, ou mesmo de adereços, como chapéus e lenços, os quais de fato, compõem o presente projeto, porém, prevê-se, para estes componentes da indumentária, matérias e modelagens que facilitem a fácil manipulação, remoção e colocação, em cena, quando for o caso.

A reunião entre função e expressão conceitual, em trabalho conjunto com a equipe técnica, atores e diretor, para que o espectador seja contemplado com um espetáculo que contenha uma reunião de idéias coerentemente ordenadas e a partir delas, desenvolva seu próprio conceito e questionamentos, constitui um dos objetivos deste projeto de figurino.

Justificativa

Por que fazer parte da equipe técnica de criação da peça Na Solidão nos Campos de Algodão e conseqüente realização deste espetáculo?

A presente peça, como já dito, trata de questões subjetivas humanas: solidão, relações de poder, desejo. Estas subjetividades fazem parte da nossa vivência desde os primórdios do homem na Terra, as quais resultaram  e resultam em conseqüências tanto positivas, quanto negativas. Reunir, através da linguagem teatral, inicialmente, técnicos, atores e diretor para discussão destas questões e posterior realização de um espetáculo que, conseqüentemente, apresente a um grupo, consideravelmente maior de pessoas, os espectadores, estas análises e relações subjetivas, sob o ponto de vista  ambíguo do cosmopolita autor francês Bernard-Marie Koltès, pode trazer à tona um olhar crítico sobre a atual sociedade na qual estamos inseridos, uma reflexão sobre o mundo globalizado, sobre as formas de relacionamento, sobre os desejos humanos.

Além de sugerir a reflexão a respeito da subjetividade humana, suas crises de relacionamentos sociais, contemplar o espectador com o bom exercício da arte dramática, está entre os tópicos do objetivo, fazer desta realização, um veículo que propicie análise crítica e deleite intelectual é um grande desafio instigante, o qual demanda grande capacidade de esforço coletivo, para realização de objetivo comum, que só se completa, quando apreciado por uma platéia, aumentando o contingente de pessoas debruçando-se sobre a análise de uma temática, que neste projeto, fundamenta-se em questões marcadamente contemporâneas da problemática humana.

Fragmentos de textos de dois escritores resumem claramente a justificativa acima explicitada:

O teatro saberá exaltar os seus espectadores, ou seja, fazer com que esqueçam a monotonia da vida cotidiana, atirando-os através de um labirinto de sensações marcadas pela mais exasperada originalidade e combinadas de maneira imprevisível.

Filippo Tommaso Marinetti – 1915

Só poderemos descrever o mundo atual para o homem atual na medida em que o descrevermos como um mundo passível de modificação. …creio que o mundo de hoje só pode ser reproduzido, mesmo no teatro, mas somente se for concebido como um mundo suscetível de modificação.

Bertolt Brecht

Objetivos

1 – Realizar a confecção do figurino adequando as necessidades funcionais da indumentária ao conceito cênico orientado pela direção;

2 – Cooperar na atividade de criação e concepção cênica através da seleção de materiais alternativos, que possam conferir consistência aos conteúdos desenvolvidos, bem como alternativas econômicas mais baratas, na qual considera-se a possibilidade de solicitação de apoio para confecção do figurino através da apresentação de um portfólio, que contenha os croquis realizados e os conceitos desenvolvidos na prancha de referência;

3 – Atentar para que os conceitos desenvolvidos em indumentária contenham clareza e possam contribuir para a coletividade da realização cênica, perfeitamente integrados ao cenário, luz, interpretação, sonoplastia e direção, possibilitando assim um conteúdo coerente à análise do espectador;

4 – Cuidar da manutenção do figurino.

Ao finalizar, cito Vladimir Maiakóski, em Maiakovski e o Teatro de Vanguarda, cujas palavras poéticas, resumem artisticamente os objetivos deste projeto:

Era aquela sutileza do espírito, sem a qual não se é nunca original, aquela infinidade que se solta de um ponto qualquer da vida numa direção qualquer e sem a qual a poesia não é mais do que um mal-entendido provisoriamente não esclarecido.

E porque este é um projeto de figurino, as pretensões poéticas são almejadas até na execução técnica, as quais consideram o mesmo Vladimir Maiakovski e o livro supracitado:

Também de minh’alma

podem-se coser

saiotes elegantes.


CLIENTE  CROQUI II

DEALER - CROQUI cópia

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